quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Então Vai



Ouça enquanto lê:



"Você quer ir? Então vai. Leva tuas roupas do meu armário, afinal, elas sempre o deixaram desorganizado. Vai, e leva com você a tua tartaruga – eu nunca entendi qual a graça que você via em ter uma tartaruga. Vai, e também leva com você tuas borras de café – você andava com a xícara de café pelos cômodos da casa, e desastrada como só você era, derrubava em tudo. E avoada, se esquecia de limpar. Por isso que eu entendia tua mãe quando ela te chamava de bagunceira, mas não falava nada, para que não brigasse comigo.
Mas não adiantava. Você sempre arrumava um motivo novo pra brigar comigo. Culpa do teu gênio forte. Quem mandou gostar de uma taurina com ascendente em escorpião?
Esse teu gênio me encantava, me tirava do sério, me apaixonava e me irritava, tudo ao mesmo tempo. Então, você deveria entender quando eu comecei a perder a paciência com você.
Porém, egocêntrica como sempre, você só viu o teu lado. Mas eu não te culpo por isso. Você sempre foi a mesma menina mimada e geniosa desde o começo do nosso relacionamento. Já eu, era um poço de calmaria. Mas sabe como é, se você joga pedra atrás de pedra na água mais calma, ela se agita.
E era isso. Você agitava a minha calmaria, e bagunçava tudo em mim, assim como bagunçava tudo do lado de fora também. Quando eu me vestia pra sairmos, você sempre me fazia trocar de bermuda, tirar o boné, colocar de novo. Você tirava as roupas da gaveta e sequer lembrava de colocá-las de volta. Eu não achava isso ruim – no começo.
Mas depois, comecei a estranhar a mim mesmo, e acabei exteriorizando esse estranhamento nas minhas pequenas explosões com você. Assustada, você me ameaçava ir embora cada vez que me fazia perder a paciência. “Eu não te conheço mais” – você dizia. Mas nem eu me conhecia mais...
Portanto, você deveria entender quando me disse pela milésima vez “eu vou embora”, e eu finalmente te disse “vai logo então. E bata a porta antes de sair.” E você foi. Mesmo eu não acreditando, você foi.
Quer ir?
Então vai. Leva tuas inúmeras cores de batom vermelho, que na boca ficam tudo da mesma cor. Vai, e leva com você todos os teus lanches “lights” que estão mofando na geladeira, porque no fim, você sempre comia metade do meu lanche mesmo. Vai, e leva aquele enfeite horroroso que a tua mãe te deu, e que eu falei que achava lindo pra agradar a ela, ou melhor, pra te agradar. Vai, e leva tuas roupas, mas não esquece a tua blusa de frio – eu sempre precisava levar ela no final do expediente pra você não passar frio na faculdade.
Vai, e leva o seu shampoo que está no box do banheiro. Nunca entendi como um shampoo podia deixar cheiro no banheiro todo, esse cheiro de você.
Vai, e leva contigo todos os bons momentos e bons dias que passamos – como aquela vez em que fomos no parque, correr, e começou a chover. E você riu, e começou a me beijar, na chuva. Ou como aquele dia em que minha irmã deixou o cachorro dela para a gente cuidar, e no meio da noite, acordei com você e o cachorro na minha cama. Eu nunca gostei de cachorro na cama, mas pra ver aquele seu sorriso travesso quando percebeu que eu tinha acordado, eu deixei.
Vai, e leva tudo... Aliás, tudo, não. Só te peço pra deixar algumas coisas: me deixa um pouco de seu perfume, me deixa metade dos nossos retratos, e me deixa um pedaço do seu coração, que é pra eu me lembra de você nos dias mais frios. Na verdade, mesmo que você não me deixe nada, eu ainda vou lembrar de você. Mas eu quero que você deixe essas coisas, que é pra eu me convencer de que você as esqueceu – e um dia, volta pra pegar – e pra ficar."

Nathália Zarpellon




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