quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Carta Aos Que Vierem A Me Amar

Ouça enquanto lê:



"Eu costumava ser uma garota boa. Eu ouvia Beatles, me vestia de uma maneira comportada, e nunca pintava as unhas de preto. Eu não voltava para casa depois das 23h, não fumava, e desvirava o chinelo pra não correr o risco de matar a minha mãe. Qual é, vai dizer que vocês nunca ouviram falar na superstição do chinelo?
Eu sempre levava uma blusa quando saía, pro caso de esfriar, e se abusar, levava uma a mais para a minha irmã também. Eu tinha todas as atitudes que fariam uma garota ser considerada boa, mas a minha principal característica era a de jamais magoar as pessoas que eu amo.

Mas algo me mudaria para sempre. E não, não foi um estupro, uma perde de um ente querido, um acidente, e eu nem perdi um membro. Ou melhor, perdi um órgão vital: o coração.
Para mim, o coração nunca teve importância. Ou assim eu pensava, até vê-lo despedaçado e espalhado pelo chão da minha varanda.

Aconteceu o que acontece com todo mundo: eu me apaixonei. Eu me apaixonei, e o cara era um canalha. Toda garota já se apaixonou por um canalha, né? Pelo menos, era disso que eu tentava me convencer.
Não importava, na verdade, se toda garota se apaixonava por um canalha. De uma coisa eu não tinha dúvida: o meu tipo de canalha era o pior. Ele me encantou, e aprisionou meu coração. Claro que, boba que eu era, eu achava tudo lindo. Ele era o mais lindo do mundo, a voz dele me fazia flutuar, o sorriso dele me prendia ao chão, como a gravidade.

E então ele fez o que os canalhas fazem – quebrou meu coração. Ele quebrou meu coração, depois de me envolver e dizer que “não quero nada sério. Você entende, não é?”. Não, eu não entendia. Mas como estava apaixonada, concordei. Continuamos ficando, e a verdade é que ele só me via quando era conveniente para ele.

Até que um dia, em um dos meus passeios a uma livraria da cidade – não falei que eu era uma boa moça? – uma moça morena me perguntou, gentilmente, onde ficava a seção de livros infantis. Eu expliquei a ela, e vi ela se dirigir a um rapaz que folheava os gibis. Não preciso nem falar quem era o “rapaz” não é?

Sim, era o meu canalha. Meu não né.. naquele momento eu me dei conta de que, se ele estava me enganando, podia estar enganando outra mil. E da moça, mesmo querendo, nem raiva eu senti. Dava té pra entender porque ele ficava com ela, se não fosse o detalhe de que ele também ficava comigo.
Ok, ele não havia me prometido nada. Mas ele também não havia me dito que tínhamos um relacionamento aberto, pelo contrário. Até deixei ele ver meu celular, não uma, nem duas vezes.

E eu fiz a melhor coisa que podia fazer naquele momento. Sumi sem deixar rastros. Mudei de número, bloqueei ele em todas as redes sociais, e nunca mais fui àquele lugar, que dizíamos ser o nosso lugar. Ele tentou ligar em casa umas vezes, mas minha mãe, sempre amiga, dizia que eu não estava, ou que estava dormindo. E eu nunca mais o vi.

Porém, o que aconteceu teve uma força estranha sobre mim. Como já falei, eu era uma garota boa, e em coisa de um mês ou dois, eu deixei de ser. Eu não acordava mais esperando nada do meu dia, e nem dava bom dia às pessoas na rua. Eu parei de me vestir como “deveria me vestir”, e comecei a pintar as unhas de preto.
Mas o principal: eu deixei de ser a garota que jamais magoaria as pessoas que amava, até porque, jurei nunca mais amar ninguém. E me tornei aquela mulher, o pesadelo de todo homem: fria, desapegada, e expert em quebrar corações.

Então, aos que vierem a me amar, deixo um recado: eu nunca mais vou amar ninguém, eu vou quebrar seu coração, e eu vou me tornar a destruidora dos seus sonhos. Muitos antes de vocês já tiveram seus corações partidos e se tornaram uma versão de mim, masculinas.

Mas acreditem, eu não faço por mal. Às vezes, uma pessoa muda a gente por completo, e quem acaba pagando o preço da mudança é quem não tem nada a ver com isso.

Então, peço que me perdoem as grosserias e a falta de sensibilidade. Peço que entendam minha dificuldade em ficar pra dormir, após o jantar, e a dificuldade em contar coisas comuns, como o nome do meu cachorro.
Eu ate tinha um coração, mas ele deixou de bater há muito tempo."

Nathália Zarpellon






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